Abril não é demais!

José Gomes Ferreira
TERMIDOR ERRADO

(25 de Novembro de 1975)

V
(Chama que nenhum vento apaga...)

A Revolução
parece às vezes que pára
ou que recua
tornando mais funda a escuridão
e a noite menos clara
-como se qualquer Mágica Mão
apagasse o sol dentro da lua.

Mas só os medrosos temem
que a viagem
para a Manhã do Renovo
com limpidez de sêmen
termine? - antes que cheguemos à paisagem
sonhada para o povo
por Lenine.

Não. A nossa Revolução
ainda não acabou
nem tão cedo acaba
- como no alto mar
não gela nenhuma vaga
ao sol de Verão.

Não. A nossa Revolução
continuará,
chama que nenhum vento apaga
- enquanto no coração
dos ricos-senhores

doer a ameaça
de os cavadores vermelhos
(o tojo inútil, os estevais, o rasto
das lebres e dos coelhos)
- guiados pelo malogro,
o asco
e as esperança
da sombra de fogo
da Voz do Vasco
colérica e doce.
IX

E foi para esta farsa
que se fez a revolução de Abril, capitães,
ao som das canções de Lopes-Graça?

Foi para voltar à fúria dos cães,
ao suor triste das ceifeiras nas searas,
as espingardas que matam os filhos as mães
num arder de lágrimas na cara?

E, no entanto,
no princípio, todos ouvíamos uma Voz
a dizer-nos que a nossa terra poderia tornar-se num pomar
de misteriosos pomos.

E nós,
todos nós, chegámos a pensar
que éramos maiores do que somos.

(A Poesia Continua, velhas e novas circunstanciais, 1981)